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26 maio 2018

De quem é o interesse?

Li recentemente um artigo sobre Ética em Ortodontia do Dr. Peter Greco na revista AJO-DO1 que me chamou muito a atenção e me fez refletir sobre certos aspectos que vivemos na Ortodontia atualmente.

Após relatar a situação de uma paciente em particular ele faz a seguinte colocação. Quando um relacionamento profissional-paciente é estabelecido, o ortodontista assume a responsabilidade de fidelidade. Para o Dr. Greco, existem dois pontos importantes na fidelidade nos cuidados de saúde. O primeiro é que o profissional deve manter os interesses do paciente acima de seus próprios interesses. O segundo é que o profissional deve priorizar os interesses do paciente sobre os interesses de terceiros.

Sim, estes são princípios mais profundos, e podem surpreender em um primeiro momento. Portanto, merecem ser analisados. Depois de uma reflexão mais detalhada, fica claro que o Dr. Greco tem razão, ou seja, considerando a aplicação da ética na área da saúde e, também, o fato do paciente contratar nossos serviços com uma contrapartida financeira, parece fazer todo o sentido que o interesse do paciente deva estar acima dos interesses dos demais personagens envolvidos nesta cena.

Mas, em que situações devemos considerar o paciente em primeiro lugar? Na verdade, em todas as etapas do relacionamento, começando pelas decisões de tratamento,  seleção dos métodos de correção que serão utilizados, resultados esperados e, porque não, na solução de eventuais problemas que surjam durante a vigência desta relação de fidelidade. Claro que a opção final sempre cabe aos pacientes, mas sabemos, também, que exercemos uma forte influência em suas decisões.

Segundo o Dr. Greco, quando o interesse pessoal do profissional supera o interesse do paciente, aparecem os conflitos. É justamente neste ponto que gostaria de chegar.

Atualmente, há muitos fatores que influenciam nossas tomadas de decisão no tratamento ortodôntico. Fatores estes que variam desde o conhecimento e experiência que cada um acumula durante sua prática clínica, preferências pessoais, domínio dos diferentes métodos de tratamento e, por que não assumirmos, a influência dos fabricantes e das empresas através de poderosas ferramentas de marketing, direcionadas tanto aos ortodontistas como diretamente aos pacientes.

Para o Prof. Gerson Köhler, ortodontista e advogado, “fazer sempre o melhor para o paciente, sim, mas nunca se sujeitar aos conceitos, muitas vezes errôneos, que os pacientes costumam trazer sobre os tratamentos que disponibilizamos em nossa área de especialização. Hoje em dia, os pacientes trazem consigo conceitos inadequados, em sua conceituação leiga sobre o que procuram, em relação aos inúmeros tipos de aparelhos, devido à massiva e incomodativa mídia das empresas que visam tão somente o lucro. Quando insistem em aparelhos tipo x, y ou z, devemos mostrar que o que nós apresentamos não é ‘venda de aparelhos’ e sim resultados terapêuticos e que os critérios sobre quais aparelhos utilizar são sempre do especialista e não do paciente. Nossos custos não estão vinculados a tipos de aparelhos. São cobrados pelos resultados buscados e que devem ser atingidos, muitas vezes dentro de limitações, e até possíveis efeitos colaterais, que devem ficar muito bem claros e explicados, desde a consulta inicial, em todas as etapas da avaliação clínica em curso e, principalmente, constar no TCLE.”

Diante destas colocações, é preciso resgatar o princípio de que todas as nossas decisões de tratamento devem favorecer ao máximo nossos pacientes, seja pelos resultados esperados, pela redução dos riscos ou na seleção de abordagens mais eficientes, considerando inclusive o investimento financeiro do paciente. Não podemos embasar as propostas de tratamento apenas por nossa comodidade ou no que possa nos favorecer, de uma maneira ou de outra, nem favorecer o interesse das empresas relacionadas, o que parece ser uma tarefa bem difícil atualmente.

Esta sabedoria em decidir a favor de nossos pacientes vem do conhecimento, da vivência clínica e, principalmente, da ética nas relações com nossos pacientes.

Boa leitura!

 

Ricardo Moresca

Editor da Revista Ortho Science and Practice

 

1. Greco PM. A friend in need. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2018;153:174